6 de agosto de 2012

Dias Contados: Caos, O Retorno.





“Respira, Raquel, respira!”, era o que eu conseguia pensar no meio daquele telefonema misterioso. E para piorar, Bárbara atendera ao meu telefonema, mas não conseguimos manter um diálogo normal, a ligação estava cheia de interferências. A única coisa que me saltou aos ouvidos foi que a voz dela não estava muito boa. Me lembrei que tinha pedido para ela gravar seu telefone e endereço no meu celular. Não pensei duas vezes, eu precisava ir ao seu encontro.

Meio aflita, na varanda da “minha casa”, fui pega de surpresa por Patrick, o meu host brother jogador de basquete. Uma sequência de erros e enganos no Inglês se seguiram, da minha parte, claro! E ele, muito paciente tentou entender o que estava acontecendo comigo.

Acho que nunca falei dele para vocês... Pois bem, em situações normais, Patrick seria um cara que me despertaria interesse: alto, olhos azuis brilhantes, cabelo castanho claro, um sorriso arrebatador, tocava violão, e tinha mãos firmes. Além do mais: era atleta, tinha um corpo invejável e super desejável. Não me surpreenderia se ele fosse o cara mais popular da escola. Talvez, por causa disso, eu tenha ficado com os pés atrás com ele. Esse era o tipo de cara que já tinha me feito sofrer muito no meu colegial. Mas, com apenas alguns dias, conseguiu me mostrar que, apesar de ser tão galã, era um cara comum e não agia como um idiota com as garotas. Com apenas 17 anos (ia fazer 18 em alguns dias) era muito focado em conseguir entrar na faculdade e uma bolsa de estudos com seu talento no basquete. Apesar desse “dom”, Patrick queria estudar Direito, e isso me encantou de cara! Sempre tive certo interesse pela área e virei algo como sua “mentora” e “conselheira” nesses assuntos de carreira. Mas, ele tinha apenas 17 anos. Respirei fundo e me encantei por ele como um irmão, de verdade!

Foco, era disso que eu precisava naquele momento. Enquanto Patrick entrava com passos firmes e interrompia a conversa alegre de seus familiares que se encontravam esparramados pela sala, ainda comentando o último arremesso de 3 pontos dele, eu imaginava o que poderia estar acontecendo com Bárbara. Meu host brother disse aos "nossos pais” que iria dar uma volta com uns amigos para comemorar o feito, pediu o carro emprestado e disse que ia me levar junto. Aí eu percebi o que ele estava fazendo.
Ele veio em minha direção e disse para esperar dez minutos. Bom, eu preferi esperar, já que não sabia andar pela cidade e não tinha a mínima idéia do que poderia estar acontecendo com a Bárbara. Por um momento me senti uma doida e neurótica. Talvez tudo isso fosse um mal entendido. Ou não.

Em menos de dez minutos estávamos no carro, e Patrick exalava um perfume muito bom, me pediu o endereço e mostrei para ele. Analisou seu saber de GPS... Parece que ele tinha pouco conhecimento nas ruas. Acho que acertei. Cruzamos com um taxista e ele pediu informação sobre a melhor rota para se chegar no prédio de Bárbara. Por um segundo pensei: “E se ela não estiver em casa?”. Liguei mais uma vez para ela e: Nada!

Soltei um palavrão, invocada, meu host brother me fitou com curiosidade e expliquei que tinha falado algo como “Fuck!”. Ele riu. Disse que nunca tinha me imaginado falando aquilo. Rodamos por alguns minutos o mesmo quarteirão. E então avistei o número do prédio: 358. E como não vou ficar falando em inglês para vocês, os diálogos vão aparecer em português.

- É aqui, Patrick. É aqui! – Ele freou bruscamente e estacionou.

- Eu não sei você, mas meu coração está saindo pela boca. – Ele disse com certo medo nos olhos.

- Talvez não seja nada. E eu ainda lhe trouxe nessa roubada. E se for algo realmente assustador? Seus pais vão me matar e a minha mãe...

- Ei, você ouviu isso? – Eu tinha ouvido. Era um grito. Desci do carro correndo, Patrick também. Enquanto nos dirigíamos até a entrada do prédio, percebi que se fazia um sério rebuliço no edifício, as pessoas começaram a sair de lá, se amontoaram na calçada e começaram a olhar para cima.

- Pat, acho que seus pais VÃO me matar! Olha para cima! – Uma pessoa estava sentada no beiral da janela, não contei os andares, mas só poderia ser este o motivo da ligação de Bárbara. Aproveitei que a portaria estava aberta e comecei a subir as escadas. Tinha que chegar ao décimo andar. Nem para ter um elevador! Nisso, Patrick me passou velozmente, era um atleta apostando corrida com uma sedentária...

Quando chegamos ao andar de Bárbara, corri para a porta de número 12, Pat já analisava como ia arrombá-la, quando, simplesmente, virei a maçaneta e a porta se abriu. Abri devagar, pois, fosse quem fosse que estivesse na janela, eu não queria que caísse de susto.

- Raquel, ainda bem que você veio! – Bárbara correu em minha direção e puxou a minha mão esquerda. Ao menos não era ela quem estava lá na janela. Mas, então, quem era?

- É essa, a sua amiguinha? – O rapaz, visivelmente transtornado, suado, descabelado e com uns papeis juntos ao seu peito, virou os seus olhos para mim.

- Sim, está vendo? Ela existe. Eu estava com ela hoje de tarde!

- Isso não prova nada! Você pode muito bem ter combinado tudo...

- Você não me deixou usar o celular! Lembra? Desligou!

Sem exitar, comecei a contar nossos passos, o que fizemos, como conheci Bárbara e como tinha chegado até ali. O rapaz, então, antes enrubescido, respirou fundo. Jogou os papéis para trás. Eu não sabia porque, mas a minha história tinha acabado de fazê-lo descer da janela.

Bárbara, devagar, chegou bem perto dele e o abraçou. Disse que ele era um grande amigo, mas que precisava ir para casa. Ele, se deixou levar pelo abraço, mas pedia perdão piedosamente para minha amiga portuguesa. Patrick estava atônito na porta, não conseguira dar um passo adentro enquanto vivíamos aquele episódio estranho. Em poucos minutos, a mãe do rapaz chegou. Eu e Patrick nos sentamos nuns pufes que estavam no canto direito da sala, silenciosos. Bárbara acompanhou a mãe do rapaz até a portaria, enquanto explicava o ocorrido para ela e dispensou a polícia que tinha chegado ao local, uma equipe de resgate e os vizinhos intrometidos.

Logo, ela voltou para o seu apartamento, com os móveis fora do lugar, uma cadeira próxima da janela, alguns vasos quebrados, papéis rasgados, um copo quebrado e cheiro forte de uísque pelo ambiente. Um belo escarcéu acontecera ali. Tinha acabado de chegar na cidade e já tinha me enfiado numa confusão...

- Bárbara, você pode me contar o que aconteceu? – Falei em português. Olhei para o lado e vi que Patrick também precisava entender o motivo de tanta doideira. – Por favor, responda em Inglês, o Pat é daqui.

Então, ela disse que Antoine era um grande amigo e estudava Artes na mesma universidade que eu ia ingressar. Bom, já tinha descoberto que tinha pelo menos um possível suicida e desequilibrado no recinto, nada de normalidade, Raquel, nada! Esse amigo de Bárbara tinha ficado boa parte de seu dia na porta do prédio a esperando, mas ela só chegou tarde, isso não era comum, pois não havia ligado para ela, nem nada. Cheio de papéis escritos em seus braços, subiu para o apartamento dela e Bárbara, como sempre, se prontificou a fazer uma sessão de conversa e filme com ele, já que era um programa habitual dos dois.

Ele não quis saber da parte do filme naquele dia e propôs um copo de uísque para descontraírem. Prontamente, serviu dois copos e brindaram a não sei o quê. Depois de uma conversa nada usual, onde falavam de amor não correspondido e as possibilidades do amor estar em quem você menos espera, Antoine se declarou para minha amiga loira. Mas, me parece que foi algo bem visceral, de girar a cabeça e fazer você se perguntar se esse tipo de obsessão existe e como ela começou...

Bárbara, educadamente, disse que os dois só poderiam ser amigos e nada mais, pois aquele não era um momento para se apaixonar e não iria se apaixonar por nenhum rapaz enquanto ali estivesse, não era algo pessoal, era uma escolha. Nesse momento, parece que Antoine não se segurou e iniciou um surto, disse que Bárbara estava mentindo, que tinha passado a tarde com outro e estava apaixonada por esse outro. Doce engano. Foi quando começou a jogar as poesias que tinha feito para ela no chão. A rasgá-las. Então ela me ligou e pediu para eu aparecer. Explicou para ele que estivera comigo o tempo inteiro. E foi ganhando tempo. Até que ele parou de quebrar as coisas e subiu no parapeito da janela. Ela se sentou ao seu lado, tentando o acalmar, lembrando dos bons momentos e pediu, já que ele queria se jogar, que ele lesse as poesias para ela. Ele, achando que ela poderia voltar atrás em sua decisão e querê-lo como homem, aceitou recitar seus escritos de sentimentos mais profundos. Foi quando Patrick e eu chegamos.

História surreal. Estava exausta, imaginei então como Bárbara estaria: arrasada! Sugeri a ela um bom banho. Comecei a recolher umas coisas do chão e Patrick entendeu o recado, pegou uma vassoura e arrumamos o recinto, fizemos o melhor que podíamos, antes mesmo de Bárbara terminar seu demorado banho...

Deixei um bilhete na mesa de jantar onde dizia que ela poderia contar comigo para o que fosse, mas que preferia que da próxima vez que nos víssemos, nada se quebrasse, pessoas se machucassem ou transeuntes enxeridos estivessem presentes!

Pat e eu partimos.  Ele, coitado, estava tonto com tanta emoção em um só dia. Mas, mesmo assim, segurava a minha mão muito forte e dizia que não era para eu chorar, de repente me bateu uma saudade enorme de casa, das minhas amigas e das minhas confusões. Afinal, eu tinha saído do Brasil com a certeza de que a confusão de lá não me encontraria em outro lugar. Bom, nisso eu estava certa, mas a confusão de Los Angeles tinha acabado de vir de encontro a mim, e o choque não tinha sido nada de leve... Me perguntei se tinha sido uma boa idéia ter fugido de meu caos nativo. Então, sem mais nem menos, Patrick recitou uma frase:

- Our real discoveries come from chaos, from going to the place that looks wrong and stupid and foolish. (Nossas reais descobertas vêm do caos, do lugar que nos parece errado e idiota e estúpido.).

Me assustei, como ele sabia que eu estava pensando naquilo, no caos?

- Mas como...? – Fui interrompida pelos seus olhos que fitavam a minha tatuagem no braço esquerdo com a seguinte palavra: “Chaos”. - Entendi! - E rimos. Pois era só o que precisávamos naquele dia de vitórias. E de um pote de sorvete, para encerrarmos o verão com chave de ouro!


Fernanda e Souza
Fernanda e Souza Meio japonesa, meio índia, meio mundo. Viciada em comida japonesa. Trocou as baladas e as pessoas vazias com copos cheios nas mãos por boa conversa com amigos de inteligência ímpar. Gostaria de preferir o "Toddy" ao tédio, mas tem intolerância à lactose. Cresceu na roça e já teve cachorro, gato, vaca, porco e uma galinha de estimação que tomava leite. Subia em árvores e hoje a sua maior aventura é se pendurar em ônibus lotado. Já morou em meio mundo e conheceu o real significado de saudade. Já escreveu um livro, plantou uma árvore, só falta o filho! Sabe manusear furadeira como um homem, cozinha como a avó e escreve como... Ah, isso vocês decidem!

5 comentários:

  1. Amei o Patrick !!! Fiquei com dó da barbara .... E é claro que a Raquel ia arranjar confusão não importa o país !!!

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    1. Achei o Patrick lindo, tbm! Mas muito novinho. Né? Ele seria uma boa para Raquel. Vou te contar que a Bárbara ficou até controlada com a situação... Ela é convicta de suas escolhas. O bom é que no final, tudo deu certo, na medida do possível e ngm morreu, ainda.

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  2. Fernanda, li com atenção a sua crônica do cotidiano. A vida, de cada um é um desafio, quanto mais em grupo. Estou cá, lhe deixando um convite
    Vim cá, lê o seu blogue. Eu, tenho um. Muito simples, sem cores e sem nuances. Estou lhe convidando a visitar-me, e se possível, Seguirmos juntos por eles. Estarei lhe esperando lá, afinal o que importa é a Amizade que fazemos e as publicações que expomos.
    Eu te Convido a vir aqui



    www.josemariacosta.com

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