São quatro e meia da manhã, a cama não me traz paz. O sofá me deixa inquieta. Pego o colchão da cama e levo para a sala. O cheiro da madrugada chuvosa me faz respirar mais profundamente, puxo tanto o ar que meus pulmões pesam. Era assim que eu me sentia naquele local: absorvendo tudo de bom e de ruim daquela atmosfera.
Apesar de saber que a minha
presença era importante, o tormento familiar só fazia meus dias passarem
arrastados. A dúvida do amanhã, apesar de me tornar mais forte do que muita
gente da minha idade, já me afligia mais do que o comum. Seria certo eu não fazer mais do que aquilo?
É nauseante perceber como uma
história pode se seguir em anos de luta. Luta. Mais luta. E depois, tudo isso
se resumir a abandono, descaso e mais sofrimento. Ver nos olhos da minha mãe desespero, não faz minha cicatriz se fechar .
Ligo a TV, pulo canal por canal.
Pego um filme pela metade, mãe doente e a filha prestativa conversam:
- Mãe, pode deixar que eu faço
isso. – A filha disse para a mãe enquanto ele se atrapalhava ao colocar a mesa manobrando
uma cadeira de rodas, logo após ela ter derrubado a torta feita para o almoço,
sem querer, no chão.
- Não! Será que você não entende?
Apesar de estar doente, ainda sou a mãe aqui! Essa casa é minha! EU sou a MÃE!
Estava passando exatamente por
isso. Assim como a filha do filme, eu também sou a mais velha. Talvez ninguém,
além de nós, filhos mais velhos, entendamos a responsabilidade que vemos cair
em nossos ombros em momentos de crise. A vontade é de abraçar nossa família e
protegê-la de tudo. Não nos permitimos sermos frágeis. E começamos a repassar
em nossas cabeças todas as nossas escolhas e atitudes até o momento. Todos os
capítulos de nossas vidas passam em frente aos nossos olhos, sendo
destrinchados por cada emoção que despertam...
Imagens da minha genitora
aparecem em meio às memórias amareladas e pesadas que se fazem presentes em
minha mente: Ah, se eu pudesse ser a MÃE da casa e te poupar disso tudo! Ah, se
eu pudesse levá-la para longe daqui...
Às vezes ela não percebia, mas eu
era mãe também. O que estava ao meu alcance para poupá-la, eu fazia! O que
ocorria agora era que eu precisava ser cuidada também, mas não podia. Queria
evitar que o mundo ao meu redor descobrisse as minhas fraquezas e me
derrubasse. Tinha que colocar a minha armadura e construir a minha fortaleza
todas as vezes que fosse colocar meu pé na rua. Logo eu, tão autêntica, deixava
minhas aflições represadas em minh’alma e colocava um sorriso na cara que me
rasgava por dentro, sem permitir que o restante do mundo percebesse o caos que
se encontrava dentro de mim!
E eu só pedia força, só força,
mas parece que meus ombros não estavam sendo capazes de suportar tanto
fingimento. Eu queria gritar! Mas não podia. Então, durante os meus banhos, me
trancava por tempo indeterminado no banheiro e caía em prantos. “Água que me
lava, leva tudo isso embora!”. Mas não levava, só lavava. E eu ali, nua,
vulnerável, era o ser humano mais puro que existia: todas as minhas mazelas me
assustavam, todos os meus medos apareciam e escorriam pelo meu corpo...
Tinha mania de tomar banho antes
de me deitar por causa disso, assim eu poderia dormir em paz, com tudo
parecendo renovado. Mas hoje eu não conseguiria, porque de madrugada ninguém
poderia me ver tão frágil. O ar estava pesado e o céu não me ajudava a encaixar
meus sentimentos confusos. Tentava juntar cada pedaço, mas era inútil tentar.
Não dormi. Não sonhei. Me
levantei da cama com o ar aflito e gelado em meu corpo, me avisando que era
hora de colocar a armadura para mais um dia. Vi o tormento estampado nos olhos
de minha mãe, a confusão de meu irmão mais novo e o dormir de fuga do meu outro
“mano”. Todos estávamos no mesmo barco sem rumo, em meio a tempestades em um
mar impiedoso!
Mas me vieram em mente que já tínhamos
passado por momentos muito mais complicados e dor, maiores dificuldades e que
chegar até onde tínhamos chegado era uma vitória imensa. Não iria permitir que
a bagunça permanecesse em meus pensamentos. Amo muito para não me importar, por
isso, coloco meus ombros à mostra e peço mais força, mais um pouco de força. E
tempo para suportar. Sabedoria para compreender. E paciência para esperar o
furacão passar e construir tudo novamente.
E pedacinho por pedacinho, rumo à
vitória do amor e da esperança, vou construindo, mais uma vez, a minha
fortaleza de cada dia: que eu possa ser consolo, tranquilidade, boas ideias e
ideais e nunca, nunca desistir dos meus sonhos e de mim. E, principalmente, da
minha família! Afinal, não há mal que dure para sempre!
Força ! as vezes não sabemos de onde tirá-la, então aí vai ela : te desejo muita força ! porque mesmo nos momentos de dor, o amor é força mais forte! na união dos amigos e da família teremos força para continuar...
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