27 de abril de 2012

Balé das Flores

Olá, galera! O post de hoje é um conto que eu achei nas minhas pastas antigas do tempo de escola, ele ganhou um prêmio que não me recordo muito bem... É a história de uma mulher (dos tempos antigos) que vive com ideias à frente de sua época e renuncia a elas para se casar e dedicar sua vida ao marido e filhos. Julieta, a protagonista, descobre o amor depois do casamento. Mas será que esse amor é nutrido pelo marido, pelos filhos ou outro alguém? Descubra a seguir.

Gostaria de lembrá-los de que suas sugestões são muito benvindas e as aguardo no e-mail avidaemmiudos@gmail.com. Um grande beijo e boa leitura.

"O verdadeiro amor é aquele que permanece sempre, se a ele damos tudo ou se lhe recusamos tudo." - Johann Goethe


Rio de Janeiro, 05 de agosto de 1959, uma mulher de seus 27 anos irá se casar. Seu nome, Julieta. Julieta Baldini. Daqui a pouco será Julieta Baldini Sales. Pelo contexto da época, já ultrapassara a idade ideal para se casar.

Ela caminhava com passos vagarosos até a porta da igreja. Seria aquilo verdade? Em apenas dois meses havia namorado, noivado e já estava se casando. Agora, a moça faz uma retrospectiva da sua vida, nesses poucos segundos de caminhada até o altar sob os olhares atentos de seu futuro esposo.

Havia sido bailarina, atriz, professora. Seu sonho era ser aviadora, paraquedista ou jornalista, mas como não eram profissões bem vistas para mulheres, acabou formada em Psicologia, Fonoaudiologia e Pedagogia. Foi uma das primeiras a lecionar para surdos e mudos no Rio de Janeiro. Era frequentadora da alta sociedade e não se deixou encantar por Juscelino Kubitschek. Tinha vários sonhos, deixaria de ser mulher livre em alguns minutos.

Ainda se dirigindo à saída da "Casa Sagrada", aquela que nunca foi de frequenta, entendera que tudo começaria a mudar a partir dali.

Será que nunca mais poderia dançar como antes? Lecionar, atuar? E seus ideais de igualdada entre homens e mulheres? Ideiais, estes, que a tornavam diferente das moças de sua época.

Sequer imaginara casar-se um dia. Queria ser independente, atuar até o fim de sua vida e bailar em nuvens de algodão... Parece que o destino havia pregado uma peça naquela que mais julgava a convenção do casamento, a união estável, a mulher presa a um "bruto", como ela mesma definia os homens.

Numa mistura de sentimentos, começou a se questionar sobre os motivos que a levaram a atingir o extremo do casamento, não se envolvera com homem algum antes de Benjamim, até tentava, mas nunca algum a deixou sem ar, morrendo de paixão, nenhum havia feito sua barriga gelar, como as amigas falavam. Na verdade, os rapazes não a interessavam. Nem mesmo o próprio Benjamim.

Julieta queria mais era ir ao teatro, cinema, bailes... E como dançava! Chamava a atenção por ser uma linda moça. Era a "linda moça pura". O sonho dos rapazes era conquistar seu coração malandro e inatingível de garota.

Ela não pensava como suas amigas. Sobretudo, tinha mais amigos homens, sempre achou a amizade masculina mais sincera.

Fora criada por sua irmã. Sua mãe faleceu quando ainda era pequenina, a menina. Talvez seja esse o motivo que a levou a seguir uma vida com tanta liberdade, autonomia e cabeça aberta. Mas será que essa liberdade, ideias brilhantes para a mulher de sua época, não seria a busca pela sua felicidade? A busca por uma família de verdade? Ela mesma não sabia, estava muito confusa.

Se recordou do dia em que conheceu Benjamim. Sua irmã o levou para apresentá-lo a Julieta, o moço estava interessado, e muito, em sua pessoa. Avistara a "moça pura" em um baile, dançando maravilhosamente, como os ramos de uma árvore sob ação da brisa mansa...

Assim, o rapaz chegou à sala de sua casa, ela correu para o jardim e subiu no abacateiro, não desceria de lá nem que caísse um raio em cima dela! Foi aquele fuzuê! As primas, irmãs, irmão e tio da moça, chamando-a e ela enfrentando a todos: "Não desço, não desço, não! Tira da sala esse vovô!". Benjamim era dez anos mais velho do que ela. Se Julieta já não queria casar, esse seria mais um pretexto para que aquilo não acontecesse.

O pretendente foi até o quintal, assustado com toda a agitação. Buquê de rosas nas mãos, o segurou com a mão esquerda e o chapéu com a outra. Estava apavorado e ao mesmo tempo encantado pela moça. Foi nesse momento em que Julieta começou a pular feito uma macaca, fazendo com que os abacates maduros caíssem para todos os lados. As primas gritavam desesperadas... Enfim, o pretendente voltou para casa todo "abacatado".

Não sabia bem como os fatos ocorreram a partir do episódio do abacateiro. Benjamim começou a se aproximar naturalmente dela. E, por pressões da família e da sociedade que imperava, ela começou a pensar seriamente em se casar. Seria ela uma velha solitária no mundo? Já estava "velha" para se casar aquele moço distinto poderia ser a sua "salvação". Casou-se, então.

Caminhava solitária até o portal da igreja, pensamentos em sua antiga vida. Agora vivia para o marido. Já tinha seis filhos. Como de costume pós-casamento, ia às missas aos domingo pela manhã. Mudou-se do Rio de Janeiro e agora morava em Mar de Espanha, Minas Gerais. Sua vida na "high society" carioca havia acabado. Sonhos, crenças, liberdade... Nada disso batia em seu coração. Era mulher submissa, atenta às necessidades do marido e dos filhos.

Assim que deixou a igreja, tropeçou em um rapaz que tinha seus 22 anos. Muito afoito e desconcertado, pediu desculpas para a senhora. Ela continou seguindo em frente, sem falar algo. Parecia que aquilo não a tinha incomodado, sequer percebera o que aconteceu. O jovem foi atrás de Julieta, estava espantado com a ausência de reação ou falta de educação daquela senhora.

Quando conseguiu chamá-la e ganhar a sua atenção, Dionísio viu o véu que encobria o rosto da mulher ser levado pelo vento. Nunca vira ser mais bonito em sua vida. Ficou ali, atônito.

Julieta percebeu que algo de estranho estava acontecendo com ela, com medo de olhar para o rapaz, continuou a andar o mais rápido que podia. Dionísio pegou o véu que havia caído e foi atrás dela. De repente, se viu em uma estribaria abandonada, frente a frente com a mulher de olhar melancólico e cativante.

Vagarosamente, o jovem colocou o véu nos cabelos da desconhecida, tocava seu rosto de porcelana com o maior cuidado que podia ter. A beijou.

A senhora casada sentia agora o frio na barriga, o coração tremer as mãos suarem... Pensou em seus filhos, seu marido e na vida que havia renunciado para se tornar modelo de esposa ideal.

Durante um ano, foi à estribaria se encontrar com Dionísio todas as sextas. Com ele, ela aprendeu a amar. O jovem aprendeu a ser resonsável, a responder por suas ações. Mas, desde o início a senhora o havia alertado que se alguém os descobrisse, a responsabilidade seria repartida entre os dois.

Viveram intensamente essa paixão. Chegavam a ser irresponsáveis, seus encontros nas madrugadas, que aconteciam eventualmente, quando Benjamim viajava. Dessa paixão nasceu um filho, Roberto, que nunca seria revelado como herdeiro de Dionísio e seria o preferido de Benjamim.

Cansada de manter as aparências em um casamento infeliz, com a vida dupla que levava, Julieta precisava escolher entre fugir com uma grande paixão ou seguir a vida de mãe perfeita. Dionísio recebera uma proposta para advogar no Rio de Janeiro, "cidade-sonho" dela... Vinham ideias e mais ideias em sua cabeça. O que faria?

Se encontrou com o rapaz, já com seus 23 anos, na madrugada de sábado, seguia passos lentos, olhar vago. O jovem, sorridente, a aguardava ansioso. Queria aquela mulher para sempre. Se abraçaram calorosamente. Resolveram fugir e levar Roberto consigo. Iriam na sexta!

A senhora foi até a estribaria no dia combinado, lágrimas no olhar, seu pequeno no colo. Seu marido chegou meia hora depois. Pediu para ela rezar por seus filhos, não queria que ninguém passasse pelo que passara seu último paciente do dia.

Julieta indagou ao marido o que havia acontecido. Seu paciente, a caminho de um lugar afastado, sofrera um acidente de automóvel e um funcionário de uma fazenda, que passava na hora com sua carroça, o socorreu. O rapaz, muito ferido, pedia perdão. Clamava a Deus para resgatar seus amores. Seu pequeno. Mais perdão pedia. Morrera nos braços de Benjamim, muito machucado pelos estilhaços do carro.

Um grito silencioso ecoou no coração de Julieta. Por isso Dionísio não apareceu. O pequeno Roberto era o que restava dele. E foi aos filhos que ela dedicou a sua vida.

Roberto foi quem mais teve carinho e amor pela mãe, tinha os olhos e o sorriso do pai.

Após a partida de seu verdadeiro amor, a mulher levava seu pequeno para brincar na estribaria abandonada, palco de seus encontros com o seu verdadeiro pai. E caminhava lentamente com ele... E viam os ramos das árvores ao redor dançarem a música silenciosa da brisa...

Hoje o vento soprou brando, e os ramos de meu jardim dançavam o balé das flores... Há pouco, Julieta deu seus últimos suspiros em meus braços. Suas últimas palavras foram: "Eu amei...". E foi ao encontro de meu avô.

2 comentários:

  1. Oi Fernanda,

    Parabéns pelo conto! Julieta não exitou em abraçar a sua alma e mesmo assim o destino se fez real.

    Beijos.

    Lu

    lucianasantarita.blogspot.com.br

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  2. Tenho um novo favorito ! parabéns, é lindo !

    http://lagartaechapeleiro.blogspot.com.br/

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